O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), dispõe de uma variedade de pautas que podem prejudicar os objetivos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Desde pedidos de impeachment até projetos de cunho econômico, o líder da casa legislativa tem usado sua prerrogativa de controle sobre o que entra na pauta da Câmara para exercer pressão sobre o Executivo.
Em 2023, Lula viu-se obrigado a ceder verbas e postos de comando na máquina administrativa, sempre mediado por Lira, em nome da governabilidade. A nomeação dos deputados André Fufuca (PP-MA) e Silvio Costa Filho (Republicanos – PE) para os ministérios do Esporte e dos Portos e Aeroportos foi um exemplo marcante dessa demonstração de poder por parte do presidente da Câmara. Em troca, o parlamentar assegurou a aprovação da Reforma Tributária na Casa.
Neste ano, a dinâmica permanece a mesma. A possível derrubada do veto às Emendas de Comissão, que representam R$ 5,6 bilhões, é uma das pautas que obriga o Planalto a agir com cautela em sua relação com o presidente da Câmara. Como anteriormente reportado pela Gazeta do Povo, Lula tem apenas três meses para aprovar as agendas de interesse do governo e se defender de projetos que podem impactar o cenário fiscal – as chamadas “pautas-bomba”.
Sobre esse cenário, o analista político Luan Sperandio, diretor de operações do Ranking dos Políticos, destaca as derrotas significativas que o governo Lula sofreu em 2023. “O Congresso Nacional conquistou autonomia desde a presidência de Henrique Eduardo Alves, em 2013, e gradualmente vem limitando as decisões do Executivo. Em 2023, por exemplo, 23 medidas provisórias enviadas pelo governo expiraram, um recorde. Isso aumenta o custo político”, observa o analista.
Projetos que aumentam gastos da União esperam aval de Lira
É comum em Brasília parlamentares e agentes políticos afirmarem que um projeto está “na gaveta” do presidente quando a proposta está retida na Mesa Diretora da Câmara. Isso pode acontecer com projetos do Senado Federal, como a PEC das Decisões Monocráticas, ou que já foram aprovados na Comissão de Constituição e Justiça da Casa.
Dentre essas propostas, três podem representar um revés para o governo. De autoria do senador Randolfe Rodrigues (sem partido), atual líder do governo no Congresso, a PEC 07/2018 inclui funcionários públicos dos ex-Territórios federais de Rondônia, Roraima e Amapá nas contas da administração pública federal.
A proposta, aprovada no Senado em setembro do ano passado, permite que pessoas que mantiveram vínculo de trabalho com a administração dos ex-Territórios e seus municípios, ou que se tornaram servidores durante os dez primeiros anos de criação dos respectivos estados, possam optar pelos direitos e vantagens do quadro funcional da União.
Se aprovada pela Câmara, cerca de 50 mil funcionários públicos poderão ser incorporados à folha de pagamento do governo federal, o que teria um impacto adicional de R$ 6,3 bilhões nos cofres públicos e atrapalharia a agenda arrecadatória do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Outro projeto que está no radar do Executivo é o Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2021, que aumenta o teto de faturamento no Simples Nacional e do MEI (Microempreendedor Individual).
A proposta eleva o faturamento do MEI de R$ 81 mil para R$ 144 mil por ano. Para microempresas, o valor subiria de R$ 360 mil para R$ 847 mil. Já as empresas de pequeno porte teriam seu limite aumentado de R$ 4,8 milhões para R$ 8,7 milhões. De acordo com a Receita Federal, a ampliação resultaria em uma renúncia fiscal de R$ 66 bilhões.
Apesar da pressão de setores econômicos para que o texto seja aprovado nesse formato, o governo trabalha para uma mudança apenas para os MEI, que teriam a atualização da tabela de faturamento e poderiam contratar dois empregados. O texto já está no Plenário Virtual da Casa e aguarda apenas a decisão de Lira para entrar na pauta.
Outra pauta-bomba é a PEC 15/2021, que permite o parcelamento de dívidas previdenciárias municipais em 20 anos e concede desconto de 60% em multas, 80% em juros e 50% em honorários. Segundo cálculos do analista Gabriel Leal de Barros, da Ryo Asset, caso o projeto se torne lei, a União pode perder R$ 133 bilhões em duas décadas, ou R$ 6,7 bilhões por ano. Diferentemente das outras propostas citadas, a PEC ainda precisa ser apreciada por uma Comissão Especial, que aguarda a decisão de Lira para ser criada.
Pedido de impeachment de Lula aguarda decisão de Lira
O pedido de impeachment contra Lula feito por parlamentares da oposição, em fevereiro, é outra “carta na manga” que Arthur Lira guarda em sua gaveta. O documento foi assinado por 139 deputados e protocolado pela deputada Carla Zambelli (PL-SP) devido às declarações do petista sobre Israel. Na época, Lula comparou as ações de Israel contra o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza ao Holocausto.
Segundo o Regimento Interno da Casa, cabe ao presidente dar seguimento ou arquivar o pedido, o que ainda não ocorreu.
A ausência de posicionamento por parte do deputado sugere que o impeachment esteja sendo utilizado como moeda de barganha na relação entre Legislativo e Executivo, especialmente por ser o último ano de Lira no comando da Casa.
Pacificação entre Lula e Lira alivia pressão sobre governo
Após um 2023 marcado por críticas e atritos, Lira e Lula pacificaram sua relação em fevereiro, após um encontro no Palácio da Alvorada. Na ocasião, havia especulações no mundo político de que o presidente da Câmara pautaria “projetos-bomba” para enfraquecer o Planalto na disputa pela sucessão da Casa. Mas, após o diálogo com Lula, Lira afirmou que “não há possibilidade” de tais projetos avançarem sob seu comando na Câmara.
“Todos os compromissos que assumimos foram cumpridos. Não há instabilidade política ou agendas econômicas explosivas, muito pelo contrário”, afirmou Lira na época.
A pacificação exigiu compromissos das duas partes. Lula revogou um trecho da Medida Provisória 1.202/2023, que previa o fim da desoneração da folha de pagamentos e estipulava a retomada gradual da cobrança de impostos de 17 setores empresariais. Além disso, concordou em cumprir o cronograma de pagamento de R$ 14,5 bilhões em emendas impositivas nas áreas de saúde e assistência social.
Por sua vez, Lira comprometeu-se a regulamentar a Reforma Tributária neste ano, facilitar a extinção do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e recuar nas críticas ao Planalto.
Sucessão na Câmara
A disputa pela sucessão na Câmara também pode se tornar um ponto de convergência entre o deputado alagoano e o Planalto. Para evitar repetir o caso de Eduardo Cunha – ex-presidente da Câmara que deu andamento ao processo de impeachment de Dilma Rousseff após uma série de desgastes entre o Executivo e o Legislativo -, Lula considera apoiar um nome indicado por Lira para o comando da Casa. A escolha ainda não foi feita, mas os candidatos já se articulam nos bastidores em busca do apoio de ambos.
Segundo Sperandio, o movimento de Lira ao se aproximar de Lula visa garantir um protagonismo político após o término de seu mandato como presidente da Câmara, dado que muitos de seus antecessores saíram dos “holofotes” da política após deixarem o comando da Casa.
“Lira precisa evitar a ‘maldição dos presidentes da Câmara’, pois a maioria perdeu força política após deixar o cargo. Um dos objetivos de Lira é assumir algum ministério para se manter relevante e disputar o Senado em 2026, mas isso requer uma boa relação com o Executivo”, explica Sperandio.
Lira e Centrão ainda cobiçam Ministério da Saúde
A melhora no relacionamento entre Lula e Lira, no entanto, não apaga o desejo do presidente da Câmara e do Centrão de terem o controle sobre o Ministério da Saúde, pasta comandada por Nísia Trindade. O interesse se dá pelo orçamento que o ministério gerencia. Para esse ano, a previsão orçamentária da pasta é de 218,4 bilhões.
Diante disso, a epidemia de dengue vivida no país reforça a pressão do Congresso sobre a pasta e abre espaço que deputados cobrem o governo.
O exemplo mais recente foram os 38 requerimentos de informações protocolados pelo deputado Saullo Viana (União Brasil-AM) sobre as medidas adotadas pelo ministro no combate ao avanço da dengue.
“Diante do elevado número de óbitos confirmados e em investigação relacionados à dengue, quais são as medidas específicas que o governo federal planeja implementar para fortalecer a capacidade de diagnóstico, tratamento e prevenção, visando reduzir a letalidade da doença?”, diz o deputado em um dos requerimentos.
A ida de Nísia à Comissão de Saúde, marcada para quarta-feira (10), é avaliada como uma oportunidade para os parlamentares intensificarem a “fritura” da ministra frente ao governo e ao eleitorado.
Além da questão da dengue, pautas de costume, como o aborto, também devem entrar em discussão. Ao requisitar presença da ministra, a deputada Rosângela Moro (União-SP) pediu explicações sobre a nota técnica emitida pelo ministério que permitia o aborto em qualquer período da gestação e que, posteriormente, acabou suspensa pela pasta.