No Rio Grande do Sul devastado pelas enchentes, observamos uma face sombria da humanidade, reminiscente do clássico “Ensaio sobre a Cegueira” de José Saramago. Nas circunstâncias atuais, emergem relatos de abusos sexuais em abrigos, saques a casas abandonadas e esquemas fraudulentos de arrecadação para os desabrigados. Paralelamente, a tragédia é explorada politicamente nas redes sociais, com comentários insensíveis que atribuem a catástrofe à escolha política dos cidadãos do estado. A crítica é da colunista Lygia Maria do jornal Folha de S. Paulo.
A resposta a essa desordem não é menos controversa. O governo federal instituiu um gabinete dedicado a combater as chamadas fake news e mobilizou a Polícia Federal para investigar comentários nas redes sociais que poderiam “abalariam a credibilidade do Estado”. No entanto, essa estratégia suscita preocupações sobre a liberdade de expressão, ecoando os tempos da Lei de Segurança Nacional, historicamente associada à censura.
Além disso, muitas das postagens investigadas parecem ser simplesmente expressões de frustração com a gestão da crise ou elogios às iniciativas civis de resgate e suporte aos afetados. A tentativa de controlar críticas em momentos de crise pública reflete práticas típicas de regimes autoritários, como visto na China durante a pandemia de Covid-19 e na URSS após o desastre de Chernobyl.
Em uma democracia, a eficiência do governo é alimentada pela liberdade de apontar falhas e exigir responsabilidade. A mistura de informações precisas e desinformação é esperada em situações de desastre, mas a resposta não deve ser a repressão. O Estado brasileiro deve resistir a impulsos totalitários e, em vez de perseguir críticos, deveria engajar-se ativamente no debate público para esclarecer equívocos e fornecer informações corretas, garantindo assim uma governança transparente e responsiva em tempos de crise.