A investigação da Polícia Federal no âmbito da “Operação Ultima Ratio”, deflagrada contra a venda de sentenças no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), revelou, além de extratos bancários, notas fiscais de carros de luxo, registros cartorários de mansões e malas de dinheiro, os apelidos usados entre os cinco desembargadores afastados.
Segundo a PF, os codinomes, que revelam a intimidade entre os investigados, são outra prova da existência de um amplo esquema de venda de sentenças judiciais no TJMS. No relatório, o desembargador Marcos Brito, um dos cinco afastados por 180 dias por determinação do ministro Francisco Falcão, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), é o principal alvo daquilo que, se fosse entre crianças, muitos classificariam como bullyng.
“Voltando às mensagens entre FELIX JAYME e PAULO FENNER, contidas no celular do primeiro, no dia 08/04/2019, FELIX pede a PAULO para “depositar o do GORDO” e que ele “já tá me lingando” “não fura”. Mensagem de áudio de FELIX: “Dia meu amigo Paulo. Paulo, que horas você vai depositar o do Gordo aí, já tá me ligando aqui. Não fura hoje não hem Paulo. Um abraço meu amigo. …”
Mais adiante, o relatório da PF deixa claro de quem eles estavam falando: “Portanto entendemos estar demonstrado que quando FELIX afirma que pagou GORDO, está dizendo que efetuou pagamentos a MARCOS BRITO em razão da decisão proferida por ele em 02/04/2019 no processo de PAULO FENNER”, escreve o delegado Marcos Damato.
Neste mesmo relatório, o desembargador Marcos Brito, conhecido como Marcão, também é tratado por um terceiro apelido. “Nas mensagens abaixo RENÊ SIUFI informa que vai levar whiskys para MARCOS BRITO. Demonstram intimidade, sendo que o advogado o chama pelo apelido de MARCOLA”.
“Marcola, deixei na portaria um velho e um novo. Faça como Mate Leão – use e abuse. Abs”, diz mensagem de whatsapp enviada pelo advogado criminalista Renê Siufi enviado ao desembargador.
E esta não foi a única vez que o advogado mandou agrados ao magistrado, conforme extraiu a PF do celular do advogado. “Marcola, deixei para você aquele Whisky , um jiló é um doce de mangaba. Um feliz Natal é um ano novo com saúde e paz!”, diz mensagem de dezembro de 2019.
Marcos Brito não é o único alvo de “bullyng” entre os investigados. O presidente do Tribunal, Sérgio Martins, é chamado de Bolachinha pelo advogado Félix Jayme, que já foi seu sócio em um escritório de advocacia antes de ser nomeado para o Tribunal de Justiça, em 2007.
“Em 08/04/2021 (quinta-feira), FELIX envia mensagem a DANILLO confirmando o resultado e reforçando a compra da decisão do TJMS, pois diz que ‘tava complementando um pagamento daquele que foi terça, cara, ganhei por 3 a 2’: ‘Oh Solito, o seu eu vou sacar hoje, tá, é que eu tava complementando um pagamento daquele que foi terça, cara, ganhei por 3 x 2 lá, Bolachinha, Marcão e Divoncir, oh, coisa boa hein, Solito, aí, o seu eu ranco hoje, ontem eu terminei de pagar os caras lá”, diz trecho do relatório da PF.
Logo em seguida o delegado explica que “aparentemente os desembargadores que venderam seus votos foram os três últimos (SERGIO MARTINS seria o BOLACHINHA citado por FELIX na mensagem)”. Mas não são somente os advogados que demonstram intimidade. O contrário também ocorre. Alvo de pedido de prisão, ex-desembargador Júlio Siqueira, que se aposentou em julho, trata o advogado Rodrigo Pimental, de Didi Pimentinha.
Rodrigo é filho do desembargador Sideni Soncini Pimentel, também afastado de suas funções no último dia 24 de outubro. “A nosso ver, a intimidade entre o Desembargador JULIO CARDOSO e o Advogado RODRIGO PIMENTEL, inicialmente, conforme exposto acima, verifica-se que JULIO utiliza apelido para RODRIGO: “DIDI” e “DIDI PIMENTINHA”.
Os dados em nuvem de JULIO CARDOSO demonstram que eles realizaram viagens juntos para pescarias utilizando avião de RODRIGO PIMENTEL. Isso é verificado no fato de que o avião aparece nas imagens e também constam imagens de documentos de abastecimentos. Nas imagens das viagens de pescarias também estão aparentemente o Desembargador do TJMS VLADIMIR ABREU DA SILVA e o pai de RODRIGO, o Desembargador do TJMS SIDENI SONCINI PIMENTEL.”
Vladimir Abreu, que é citado neste trecho do relatório, também foi afastado por determinação do STJ porque, segundo a PF, fazia parte de um suposto esquema de venda de sentenças envolvendo magistrados e escritórios de advocacia, a maior parte comandada por filhos de desembargadores.