O Supremo Tribunal Federal (STF) já tem três votos a favor da proibição do assédio judicial a jornalistas. Nesta quinta-feira (16), o julgamento foi retomado com o voto do ministro Luís Roberto Barroso, presidente da corte, que se posicionou contra a prática definida como o ajuizamento de diversas ações contra os mesmos acusados pelos mesmos fatos em foros diversos, com o objetivo de constranger, dificultar ou encarecer a defesa.
Barroso foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin e André Mendonça. A análise será retomada na próxima quarta-feira (22). “Parece-me totalmente razoável que, uma vez caracterizado o assédio judicial, deve prevalecer como regra a do domicílio do réu, que é a regra geral do direito brasileiro”, afirmou Barroso. Ele também considerou legítimo o pedido de reunião das ações sobre o mesmo tema, como já acontece com a ação popular, a ação civil pública e a ação de improbidade administrativa.
No ano passado, quando a matéria começou a ser julgada, a ministra aposentada Rosa Weber, então presidente do tribunal, contrariou a interpretação da Abraji e considerou inviável a centralização das ações e seu processamento no domicílio do jornalista ou do órgão de imprensa, por entender que as normas questionadas pela entidade são compatíveis com a Constituição.
A Abraji visa evitar episódios como o de 2007 contra a jornalista Elvira Lobato, que enfrentou mais de cem ações judiciais em diferentes locais após publicar uma reportagem sobre o patrimônio empresarial de dirigentes da Igreja Universal do Reino de Deus. Outro caso famoso foi em 2016, quando 22 ações de indenização foram movidas por magistrados contra repórteres do jornal Gazeta do Povo, que publicaram uma reportagem sobre supersalários no Paraná. O STF extinguiu essas ações no ano passado.
A Abraji pede que a corte interprete um dispositivo do Código de Processo Civil que trata da cooperação judiciária para centralização de processos repetitivos em situações de assédio judicial. A entidade deseja que, nesses casos, “seja de pronto alterada a competência para que as ações tramitem perante o foro do domicílio do réu, de forma conjunta, possibilitando assim que o réu possa exercer, em plenitude, sua ampla defesa”.
“Há atualmente diversos comunicadores e jornalistas que são vítimas de assédio judicial no país e, assim, têm visto negados os direitos à ampla defesa e ao devido processo legal”, diz o pedido da Abraji. “A cada dia que passa, verifica-se o agravamento da situação de pessoas físicas que são atingidas com a prática que, para além do dano pessoal, impinge também severa afronta aos preceitos de liberdade de expressão, de imprensa e de informação.”
O mesmo julgamento analisa outra ação, da ABI, que pede ao STF para definir que a responsabilização de um jornalista ou veículo somente pode ocorrer “quando se comprovar que agiu com dolo ou culpa grave”. A ABI também requisita que vítimas de assédio judicial sejam ressarcidas com danos morais e que haja uma multa para quem cometa essa prática.
Nesses pontos, Barroso acompanhou Rosa Weber e rejeitou os pedidos. “Já existem instrumentos previstos no ordenamento jurídico para a proteção do réu e para a reparação de danos, cabendo ao juiz de cada caso concreto decidir a respeito”, disse. A corte tem quatro votos contrários à ação da ABI.
Os processos ficaram sob a responsabilidade de Rosa Weber, que se aposentou do Supremo em setembro do ano passado. Ela deixou seus votos em ambas as ações no plenário virtual da corte, pouco antes da aposentadoria. Por isso, seu sucessor, Flávio Dino, não votará nos julgamentos.
Rosa rejeitou o pedido da Abraji sob o argumento de que não cabe ao Poder Judiciário, “a pretexto de fazer valer determinado princípio da Constituição”, alterar regras definidas pelo Poder Legislativo. Para ela, o pedido da associação buscou “produzir nova norma jurídica com conteúdo distinto daquela editada soberanamente pelo legislador”.
Ao analisar o pedido da ABI, Rosa se manifestou parcialmente a favor da ação, definindo quais atos podem ensejar ações de reparação por dano moral a partir de veiculação de informação, opinião ou notícia. Para a ministra aposentada, são “a veiculação de conteúdo correspondente a ameaça, intimidação, incitação ou comando à discriminação, à hostilidade ou à violência, ainda que psicológica ou moral, disseminação deliberada de desinformação, manipulação de grupos vulneráveis, ataque doloso à reputação de alguém ou apuração negligente dos fatos, risco à segurança nacional, à ordem, à saúde ou à moral públicas”. Ela também mencionou que tais ações poderiam ser consideradas quando configurarem propaganda em favor da guerra, guerra civil ou insurreição armada ou violenta, ou apologia do ódio nacional, racial ou religioso.
Rosa enfatizou que não cabe imputar irregularidades pela “mera emissão de opinião de teor crítico contra personalidade pública ou autoridade pública no exercício da sua atividade funcional”, pois isso é um “legítimo exercício de direito constitucionalmente assegurado”.
Os processos foram pautados para julgamento no plenário do Supremo em abril passado, mas foram retirados da pauta pelo presidente Luís Roberto Barroso por falta de consenso entre os ministros.